domingo, 27 de março de 2011

Deriva


Entre os diversos procedimentos situacionistas, a deriva se apresenta como uma técnica ininterrupta através de diversos ambientes. O conceito de deriva está ligado indissoluvelmente ao reconhecimento de efeitos da natureza psicogeográfica, e à afirmação de um comportamento lúdico-construtivo, o que se opõe em todos os aspectos às noções clássicas de viagem e passeio.

Uma ou várias pessoas que se lançam à deriva renunciam, durante um tempo mais ou menos longo, os motivos para deslocar-se ou atuar normalmente em suas relações, trabalhos e entretenimentos próprios de si, para deixar-se levar pelas solicitações do terreno e os encontros que a ele corresponde. A parte aleatória é menos determinante do que se crê: no ponto de vista da deriva, existe um relevo psicogeográfico nas cidades, com correntes constantes, pontos fixos e multidões que fazem de difícil acesso à saída de certas zonas. Mas a deriva, em seu caráter unitário, compreende o deixar levar-se em sua contradição necessária: o domínio das variáveis psicogeográficas pelo conhecimento e o cálculo de suas possibilidades.

Estando a teoria da deriva inserida no contexto do situacionismo, acho importante expor também o conceito de Labirinto, sua interrelação com a deriva e um exemplo de sua realização concreta.

O Labirinto era utiizado como referência idológica pela concepção dinâmica do seu espaço, oposto à perspectiva estática das linhas ortogonais. Além disso, também associado a uma estrutura de organização mental e um possível método de criação baseado no vagar, vagabundear, nos trajetos e caminhos com saídas luminosas e reclusões trágicas, um tipo de mobilidade generalizada.
A Internacional Situacionista propõe o abandono do modo euclidiano de figuração do espaço, dizem não aos pontos fixos de orientação para as visadas que segundo eles reduzia a distância psíquica entre o objeto e o sujeito. Não admitiam mais o "fazer soberano". 

Devemos explorar o espaço urbano e percebê-lo como ele é: uma aglomeração caótica, um labirinto de ambientes, interrogá-lo sobre suas distâncias, seus pólos de atração. A prática da deriva (1958) propunha uma experiência a seu próprio modo, lúdica e experimental. "Ela leva a estabelecer o levantamento das articulações psicogeográficas de uma cidade moderna, suas diferentes unidades de ambiente e habitação". A deriva urbana é um comportamento tipicamente labirintiano, segundo Debord, uma experiência de abandono da atividade produto-consumista para se deixar levar pela desorientação da cidade, seu fruir; um trajeto dirigido pela indeterminação e pelo azar, um jogo de itinerários dispares. O desenho da cidade deveria surgir a partir do seu conhecimento. São teorias vindas a partir da apropriação do espaço, baseado em referências construídas e percebidas que chamam a atenção individual: "se deixar despertar pela cidade, vagar por ela, perdendo-se tempo deliberadamente durante dias inteiros".

Uma experiência real do "labirinto" foi feita em 3 dias de deriva sistemática, liderada por 3 times situacionistas no coração da aglomeração urbana de Amsterdã. O labirinto deveria consistir em um caminho que poderia, em teoria, estar em qualquer lugar entre 200m e 3km. Sua disposição não deveria apontar a apenas algum tipo de decoração interior, nem numa reprodução redutiva da ambientação urbana; ao invés disso, deveria tender a constituir uma atmosfera nova e híbrida combinando elementos interiores e exteriores; passagens através de áreas de diferentes luminosidades, efeitos sonoros e outros tipos de estímulos conceituais, sempre promovendo a possibilidade de se ficar perdido.






"O lugar labiríntico reside em ser desenhado, só existe enquanto trajeto, travessia. Não se consegue saber se estamos entrando ou saindo, nem reconhecer seus limites e suas fronteiras".

Uma exibição foi montada no Stedelijk Museum em Amsterdã. Foram convertidas as salas 36 e 37 do museu em um enorme labirinto interior onde haveria uma representação artificial da chuva, dos ventos, da névoa, um conjunto de ambientes acústicos previamente regravados e um túnel criado pela pintura industrial de Pinot Gallizio. Um marco de micro-deriva.

Valorizavam a celebração de uma condição humana na qual os espaços públicos deixam de ser cenários privilegiados do poder para se converter em uma flutuação aleatória de itinerários múltiplos e difusos, determinados pela lógica da mobilidade. Ideia esta que se fundamenta numa experimentação radical dos lugares da cidade ou mesmo no desenho de uma arquitetura nova. 
(fonte: http://www.territorios.org/teoria/H_C_situacionista.html)

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